terça-feira, 18 de novembro de 2008

A vida nas cidades e a busca por justiça social

1 - O surgimento das cidades e as classes sociais
Desde o aparecimento das primeiras civilizações no planeta, a humanidade se constituiu e se dividiu em grupos. Esses primeiros grupos começaram a interagir entre si, trocando conhecimentos e iniciando assim a gradativa ocupação do globo terrestre. Independente da singularidade característica de cada civilização, um ponto comum, entre todas elas pode ser notadamente observado desde o início da “História” (aparecimento da escrita – fim da “Pré-História”!), até os dias de hoje: o fato de o espaço habitável, o ambiente físico de vivência desses grupos ser a cidade. E uma característica se mostra comum a todas elas: a divisão da sociedade em classes sociais. Essa divisão ocorreu a partir do instante em que se tornam mais complexas as relações do comércio, administração de negócios e a escrita. Surgiu a servidão e o escravismo. Enquanto as classes “inferiores” se dedicavam ao trabalho, as classes abastadas se dedicavam à administração e ao controle do trabalho e das tradições religiosas e morais. Por séculos, a divisão das sociedades em classes configurou, dentro da especificidade de cada cultura, o desenho das cidades. A elite gozava do privilégio de usufruir as melhores áreas, enquanto que a fatia pobre da população contentava-se em dividir o restante d espaço urbano, mesmo que este não oferecesse condições favoráveis de habitabilidade.
2 - O Ideário Capitalista e a divisão de classes nas cidades brasileiras
No início do século XX, com a Revolução Industrial, um novo modelo de gestão para as cidades foi efetivamente consolidado e perdura até os dias de hoje. A cidade como centro financeiro. A partir da década de 1980, o modelo de cidade como centro financeiro é explicitado ao passo que esta é preparada e planejada para gerar lucros para um grupo específico, o ideário capitalista. Nos países de Terceiro Mundo, a idéia de cidade como centro financeiro-econômico está gerando graves problemas para a maioria da população, excluída dos interesses e decisões da elite liberal. Refletindo a situação, do ponto de vista arquitetônico e urbanistico, temos o seguinte quadro: as áreas integrantes da “cidade formal” possuem planejamento e infra-estrutura urbana, conjuntos habitacionais de alto padrão, parques e áreas verdes, com todos os equipamentos urbanos necessários para satisfazer o bem-estar da elite-minoria.
Em contrapartida, a maioria da população, pobres e miseráveis, sofrem com as mais variadas formas de carências. Por não ser capaz de suportar a pressão de grupos imobiliários altamente especulativos, a população pobre migra para a periferia, para áreas sem valor imobiliário. Essas áreas não têm valor comercial, justamente por não possuírem planejamento e infra-estrutura urbana, não são atendidas pelos serviços de saneamento básico de água e esgoto, bem como são carentes de um sistema viário e transporte público decentes. A enorme diferença existente entre os centro “formal” e a periferia “informal” é acentuada pelo fato de que quase sempre os interesses dos administradores públicos se misturam com os interesses do capital. Essa condição nos remete à memória a cidade feudal, mas ao invés de termos nas cidades uma barreira física (o muro), enfrentamos outro tipo de barreira segregadora: a barreira econômica. Hoje os excluídos são aqueles que não conseguem transpor o muro da especulação imobiliária, da omissão dos nossos governantes e dos interesses da elite.
3 - A Arquitetura e o Urbanismo como ferramenta de igualdade social
Pensar arquitetura e planejamento urbano para todos, ultrapassa as atribuições profissionais técnicas do arquiteto-urbanista, esse pensar depende também de atuação política. Precisamos pensar como iremos atravessar esse muro. Essa transposição terá que ser coletiva, pois ela só se fará realmente, unindo toda a sociedade em um mesmo lado, e isso dependerá basicamente de três fatores: O primeiro é a preservação da história como memória, para lembrarmos das lutas e conquistas das classes menos favorecidas e transformá-las em consciência de que é preciso mudar o modelo atual de exclusão social. O segundo fator é a erradicação da pobreza material e intelectual pela qual padece grande parte da população. Material no âmbito de uma justa distribuição de renda e conseqüente inclusão social, e intelectual no âmbito da educação e cultura que os libertará de qualquer grande formador de opinião e nos possibilitará a crítica análise do que está ao nosso redor. E o terceiro é o entendimento que precisamos, cada vez mais de um mundo saudável e sustentável economicamente, sabendo que a economia é um meio e não o fim; político e socialmente, com a ciência de nossos direitos e deveres enquanto cidadãos; e ambientalmente, responsável por nos possibilitar viver em um mundo com rios e mares despoluídos, com grandes áreas verdes e reservas ecológicas protegidas, com o correto manuseio e controle do lixo e resíduos orgânicos. Somente associando esses três fatores, poderemos pensar
em construir e desenvolver cidades dignas e justas para todos.
Texto elaborado em 29 de janeiro de 2006

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A Democratização de Oportunidades e as Ações Afirmativas

Para um país ser realmente democrático como nós brasileiros tanto ambicionamos, o acesso às oportunidades deve ser democratizado.
Uma maneira de enfrentar as acentuadas diferenças sociais, que no caso brasileiro, são estruturais e históricas, ou seja, fazem parte da própria formação do país, é assumir que o acesso às oportunidades é oferecido à sociedade de maneira desigual.
Uma dessas maneiras de enfrentamento vem sendo realizadas através do que chamamos de AÇÕES AFIRMATIVAS. Ou seja, é assumir que tal problema ou distorção social existe e que exige medidas - AÇÕES concretas - para resolvê-lo ou pelo menos diminuir seus impactos, e não simplesmente "aguardar" a uma mudança estrutural de mentalidade da sociedade e possível redução natural dessas diferenças.
Uma dessas AÇÕES é a COTA para negros. Sinceramente, não tenho convicção de que seja esta a melhor maneira de inclusão, visto que podemos considerar que o maior problema brasileiro é a concentração de renda, e com isso, chegamos a conclusão de que talvez as COTAS PARA POBRES fossem mais eficazes do que a cota para negros. Mesmo porque a grande maioria dos pobres são negros!. Ou seja, atingiríamos grande parte desse grupo de qualquer maneira. (A diferença é que os pobres e miseráveis de descendência européia do sul do país por exemplo, também teriam direito a essas cotas.)
Pois bem, sendo assim entramos na seguinte questão : Além dos POBRES
não constituírem uma minoria, são a maioria (pelo menos era até poucos dias atrás, quando foi divulgado em varios meios de comunicação que a maioria da população brasileira passou a pertencer à classe média), não conheço ninguém que comemore o fato de ser pobre. Ao contrário das minorias mais popularizadas, como os negros, homossexuais e feministas, por exemplo. Essas minorias são representativas e representadas em grande parte dos espaços de manifestação, reivindicação e participação existentes no país, e desde 2003 ganharam mais liberdade e condições de reivindicar seus direitos, visto a vitória de um governo popular ao executivo federal.
Vemos movimentos "100% NEGRO", "Orgulho GAY", movimenos feministas...mas nunca tive conhecimento de nenhum movimento chamado "100% POBRE", ou "Orgulho Pobre"! Ser pobre é uma condição social que ninguém quer pra si!
Sendo assim, os temas defendidos por essas minorias - o que inclui a questão das COTASpara negros - possuem maiores condições de êxito, simplesmente pelo fato de serem defendidos por um grupo social que tem orgulho de sua origem, sua cor, opção sexual, gênero, enfim.... e que se organiza para cobrar seus direitos.
Quanto aos pobres, ou a sociedade brasileira enxerga na concentração de renda e na desigualdade de oportunidades, dois importantes fatos geradores de pobreza e exclusão social e se mobiliza de forma consciente para ajustar essas distorções que só atrapalham o desenvolvimento do país*, ou continuaremos a encerrar os debates sem o consenso de se devemos ou não, por exemplo, ter COTAS para negros.

* “desenvolvimento” não apenas no âmbito econômico, mas em todos os sentidos : social, intelectual (cultural e educacional), bem estar e qualidade de vida, etc...
Texto Elaborado em outubro de 2008

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A Globalização, o cotidiano e o Bem-te-vi

Vivemos em um mundo globalizado. Informações nos chegam através dos mais variados meios de comunicação em massa: a televisão, o rádio, a imprensa escrita – jornais e revistas – e mais recentemente através da Internet, instrumento pelo qual conseguimos acessar a qualquer momento, qualquer tipo de conteúdo, qualquer assunto, em segundos.
Nos orgulhamos do nosso mundo globalizado, online. Hoje a informação é considerada como o maior capital que uma pessoa ou uma empresa deve dispor para obter sucesso em sua vida profissional e pessoal. Ter o domínio sobre as informações e sobre o que acontece à nossa volta é o que faz com que não sejamos excluídos dos nossos círculos de relacionamentos, profissionais, sociais, e etc...
Mas é claro que para obter um lugar nessa “aldeia global”, se paga um preço muito alto e muitas vezes desnecessário. Vivemos para conquistar status, ao invés de vivermos por qualidade de vida. Trabalha-se dia e noite, muitas vezes por um salário baixo em um trabalho nem de longe gratificante. Para chegar ao trabalho então, é necessário para a maioria da massa trabalhadora atravessar grandes trajetos congestionados de veículos individuais - para os “pobres”, o ônibus, caro e de péssima qualidade; para a “classe média”, “ricos” e “muito ricos”, seus carros importados de alta velocidade que, por conta do modelo viário existente nas grandes cidades, não ultrapassam os 30km/h.
Quando não se está preso ao trabalho, demandas que cumpram com nossa sede de consumo surgem, como resposta natural, seja pela necessidade de realização pessoal, no caso dos mais abastados - trocar o carro, comprar outro apartamento; o desejo àquela tv 50 pol., a casa de praia que todos os amigos já tem menos você; a viagem dos filhos pra Disney e etc – seja, para os menos favorecidos - o “bico” na oficina do colega, a faxina da noite em mais uma casa, embora a resposta natural do consumismo não reconheça classe social.
Mesmo tarefas cotidianas que muitas vezes dizemos não dispor de tempo, nos trazem satisfação, pois cumprem com a obrigação e o orgulho do sustento do lar, como por exemplo, fazer compras no supermercado. Isso mesmo! Fazer compras! Aliás, não mais em supermercados, mas em hipermercados! Verdadeiros “shoppings da família” onde encontramos tudo de que “precisamos”. Desde a comida do mês, aos acessórios do carro, dos brinquedos e porcarias comestíveis das crianças, aos mais avançados eletroeletrônicos, além de todo o tipo de promoção dos mais variados produtos. Logicamente isso acontece pois a intenção do estabelecimento é sempre e somente “servir ao cliente”.
E foi em um desses hipermercados – pois afinal também tenho minhas necessidades naturais de consumo! - que presenciei uma cena incomum: Estava na fila do “caixa rápido” (que demora o mesmo tempo do caixa normal) quando um grupo de três senhoras ficou espantado e curioso por ver um pássaro que, por azar, estava preso àquela imensa estrutura metálica do teto do local. Com a agitação, mais pessoas começaram a perguntar onde estava a tal ave, pois todos queriam observá-la. E começou um verdadeiro debate. As pessoas discutiram qual pássaro seria aquele, um beija-flor, um pardal, um bem-te-vi? E eis que veio a resposta, não pelo acerto de alguém, mas por que a ave soltou um enorme “bem-te-vi”!. O grupo de curiosos começou a sorrir, uns afirmando que haviam acertado, outros dizendo que já sabiam, e alguns lamentando seu erro.
Fiquei observando aquelas pessoas, todos adultos. A alegria e a satisfação que aquele pequeno pássaro proporcionou ao cotidiano daquelas pessoas, foi impressionante. De certo, cada um por um motivo diferente, todos se alegraram com o acontecido, talvez por lembrar da juventude em uma cidade pequena, ou por ser a primeira vez que via um bem-te-vi.
Porém, após aquele momento de diversão quase que infantil, onde as lembranças e memórias individuais daqueles observadores os transportaram do hipermercado para uma pracinha qualquer, um bosque ou uma pequena rua de bairro, a alegria de cada um chegou ao fim, pois o pássaro se foi e todos tomaram seu lugar na fila, virados pra frente e “voltaram ao normal”. O normal do cotidiano. Do cotidiano das grandes cidades.
Esse fato, sem significado e importância para alguns, me atentou para uma reflexão:
O questionamento quanto à real importância desse mundo globalizado, face às verdadeiras necessidades naturais do ser humano. Necessidades, de viver, de conviver, de ter um trabalho digno - e não um emprego entediante -, de ter horas de descanso, de mergulhar em um lago ou no mar, de ler um livro, de ter uma praça para sentar embaixo de uma árvore, de namorar e dar valor à família, de ter tempo para os filhos, de se dedicar à espiritualidade, e até mesmo de apenas observar um bem-te-vi.
Estamos cegos, reféns desse modo de vida, tipicamente ocidental, globalizado e para muitos imposto.
Imediatismo, simplismo, consumismo, conformismo e individualismo.
A sociedade está cada vez mais sem perspectivas, sem horizontes, sem rumo. Somos uma sociedade carente de atenção e de carinho, de apoio e motivação, carentes de uma conversa sincera e de um abraço, carentes da nossa própria natureza.
Estamos carentes de um simples bem-te-vi.
Texto elaborado em 19 de junho de 2004