Acompanhamos esta semana o anúncio feito pela prefeitura de Santos, de que será implantada a aplicação do IPTU Progressivo no tempo para lotes não utilizados, inseridos nos bairros do Centro, Valongo, Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias.
Primeiramente, vamos lembrar que o IPTU Progressivo é um instrumento preconizado no Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, que regulamenta o art. 182 da constituição, que estabelece o princípio da função social da propriedade, ou seja, é um instrumento tributário que existe há quase uma década e que não havia sido utilizado até o presente momento (veja que estou falando no IPTU Progressivo no tempo, e não o IPTU Progressivo no espaço, implantado em Santos pelo ex-prefeito David Capistrano, e que foi derrubado pela justiça).
Segundo o Estatuto da Cidade, terrenos urbanos devem cumprir sua "função social para atendimento das necessidades de todos os cidadãos". Em uma cidade como Santos, que sofre com forte especulação imobiliária que expulsa permanentemente sua população de baixa renda pelo alto valor do preço dos imóveis (cabe lembrar que o que eleva o preço dos imóveis é sua localização, ou seja, a terra, e não a qualidade das construções, cada vez mais questionáveis!), a implementação do referido instrumento é visto como possivel solução de tal problema.
Então à primeira vista, podemos pensar que a utilização do IPTU Progressivo em Santos, será uma ótima forma de garantir terrenos mais baratos (pois a oferta aumenta e os proprietários serão pressionados a vendê-los ou utilizá-los) para fixação da população de baixa renda no centro da cidade, através da realização de empreendimentos habitacionais de interesse social pelo poder público e por que não por investidores privados, visto que este é agora um nicho do mercado da construção civil que surgiu através do Programa Minha Casa Minha Vida.
Porém precisamos nos atentar para um detalhe. Ao longo desses anos "pós Estatuto da Cidade", o que vemos são alguns exemplos de utilização exitosa de instrumentos do Estatuto da Cidade pelo capital imobiliário! Isso mesmo. Isso pode vir a ocorrer em Santos por trás dessa nova regra. Vou dar um exemplo: É sabido que para aprovação do Estatuto da Cidade em Brasília, foram negociados alguns termos com o setor imobiliário, como por exemplo, a exclusão das regras da "Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia - CUEM", que depois virou uma MP própria, e a inclusão das "Operações Urbanas Consorciadas". Este segundo instrumento, é claramente de interesse do setor imobiliário, pois por trás da idéia de valorização de um determinado setor degradado da cidade através de parceria entre os poder público e privado, o que se vê, por exemplo na cidade de São Paulo, é que eles só foi utilizado em áreas de interesse do capital imobiliário, que lucrou muito com sua realização. Aliás, podemos ver que apesar de toda operação urbana consorciada prever a melhoria das condições de habitabilidade de assentamentos precários presentes nessas áreas degradadas, o que há de fato é que os recursos destinados como contrapartida para esses fins ou não são utilizados e esses assentamentos continuam presentes, ou são utilizados para remover essas populações para outras áreas da cidade, longe da nova área revitalizada, visto que sua permanência seria um fator de depreciação dos imóveis agora valorizados.
Enfim, me alonguei neste exemplo para colocar que o mesmo pode acontecer com a utilização do IPTU Progressivo na área central de Santos.
Reportagem do jornal Atribuna de 21 de outubro deste ano: "ou reforma ou paga multa", citando que os proprietários que não reformarem seus imóveis deteriorados poderão pagar multa. Pode-se pensar que em uma área de renovação urbana, esses imóveis "problemáticos", como cita a reportagem, poderiam ser um mal para a nova paisagem urbana que se pretende na área, atraente para novos e grandes investimentos e empreendimentos privados, voltados principalmente para serviços e turismo, devido à proximidade com o porto e a vinda do pré-sal.
Podemos então também questionar a real intenção da implantação do IPTU Progressivo, na medida em que ele ao invés de ser utilizado na cidade como um todo, pois todos os imóveis urbanos devem cumprir sua função social, e não apenas os inseridos em áreas de interesse da prefeitura, está sendo utilizado apenas nos bairros onde se pretende "renovar urbanisticamente".
Reforçando essa tese percebemos, na reportagem do mesmo jornal do dia 18 de novembro: "Imóvel sem uso parará mais IPTU", a importância de oferta de mais imóveis para o setor de comércio e serviços, pois lemos que "Para lojistas, os imóveis fechados aumentam os preços dos aluguéis, o que afugenta investidores e perpetua o comércio fraco." Ao mesmo tempo que na reportagem não há qualquer menção dos entrevistados sobre a importância do IPTU Progressivo para fixação das famílias de baixa renda nos casarões antigos fechados (possuidores de toda infraestrutura urbana e próximos a equipamentos públicos), ou nos que apesar de serem utilizados em forma de cortiços, são subutilizados de maneira precária, por culpa e omissão de seus proprietários.
Esperamos que o tempo nos diga o contrário, pois ao que parece, a utilização desse instrumento servirá muito mais como um instrumento que liberará lotes ociosos no centro de Santos nos próximos anos, para que o capital imobiliário possa obter maiores lucros com a construção de edifícios empresariais, comerciais, e de prestação de serviços.
Ou seja, este instrumento indutor de cumprimento da função social da terra poderá servir somente para uma renovação urbana a serviço de interesses privados e corporativos, abrindo novas frentes de especulação imobiliária, nos imóveis a serem ofertados compulsoriamente daqui a 5 anos, e intensificando a expulsão de famílias de baixa renda moradora de cortiços.
Questão: os imóveis ocupados irregularmente por cortiços serão considerados imóveis abandonados, já que esses imóveis são utilizados irregularmente, e servem de instrumento de exploração de famílias de baixa renda?
Para finalizar, outra questão: não deveria essa questão relativa à implantação do IPTU Progressivo, ter sido matéria de ampla discussão na sociedade santista, em conjunto com a discussão da revisão do Plano Diretor, já que no mesmo Estatuto da Cidade, que regulamenta o IPTU Progressivo, também se dispõe sobre a gestão democrática da cidade e a participação DIRETA da sociedade na elaboração, implementação e avaliação do Plano Diretor e de seus instrumentos? Ou a forma de fragmentação da legislação municipal referente à política urbana (Plano Diretor, Lei de Uso do Solo, Lei dos instrumentos da política urbana, Lei de ZEIS, etc...) é proposital?