terça-feira, 20 de setembro de 2011

Viabilizando o Programa Minha Casa Minha vida


O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) do governo federal foi lançado em 2009 com o objetivo de reduzir o déficit habitacional no Brasil e superou em fevereiro de 2011, a meta de construir um milhão de unidades habitacionais (UH). Entre as unidades financiadas em 2010, 59% foram destinadas a famílias com faixa de renda de até seis salários mínimos, onde se encontra o maior déficit habitacional. Desse percentual, 400 mil UH foram destinadas a famílias pertencentes à faixa de renda entre 0 e 3 salários mínimos (s.m.), ou seja, 40% das moradias concluídas.

O PMCMV 2 lançado em 2010, tem a meta de construir mais 2 milhões de UH até 2014, sendo que 1,2 milhões de unidades serão destinadas à faixa de renda até 3 s.m.. A meta é investir 125,7 bilhões nesse período. Ao mesmo tempo, o Plano Nacional de Habitação de Interesse Social (PLANHAB), elaborado pelo Ministério das Cidades em 2010, demonstrou o que muitos técnicos da área de habitação já sabem: que é praticamente impossível viabilizar empreendimentos habitacionais nas grandes cidades e nas regiões metropolitanas para famílias que ganham entre 0 e 3 s.m. através do mercado imobiliário, justamente onde se encontra grande parte da população de baixa renda que não tem acesso à moradia.

Os recursos previstos por UH, para 0 a 3 s.m. é de R$ 65.000,00, valor insuficiente para compra de terreno e construção da moradia. E é essa a grande queixa de alguns gestores municipais: apesar do PMCMV viabilizar a construção de moradias para quem ganha entre 3 a 10 s.m., de acordo com esses gestores. o programa pecou ao não contemplar, na elaboração dos valores máximos para contratação de moradias, o valor correspondente à aquisição dos terrenos. Esse argumento poderia ser realmente válido não fosse pelo fato de que o PMCMV é fruto de um pacto entre governos federal, estaduais e municipais para viabilização do programa. Sendo assim, seria natural que os municípios, que desde a Constituição de 1988 são os responsáveis pela condução da política urbana e do planejamento, ordenamento e regulação do território, criassem maneiras de viabilizar terrenos urbanizados, com infraestrutura e próxima a equipamentos públicos.

No entanto, prefeitos e secretários das pastas de habitação e do planejamento urbano de muitos municípios relutam em utilizar os instrumentos criados em 2001 pelo Estatuto da Cidade (EC) justamente para baratear o preço da terra e democratizar seu acesso. Instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC), o IPTU Progressivo no Tempo e a Desapropriação com títulos da dívida pública são imprescindíveis para baratear o valor de terras urbanizadas. Além disso, há o Direito de Preempção (ou Preferência), instrumento pelo qual a prefeitura demarca terrenos que considere estratégicos para implantação de empreendimentos habitacionais de baixa renda, e a partir dele, passa a ter prioridade na compra. Outro instrumento que podem viabilizar a compra de áreas é a utilização da Outorga Onerosa do Direito de Construir, principalmente em uma cidade como Santos, com tantos empreendimentos verticais altíssimos, de alto padrão e para classe alta, que poderiam pagar pela outorga, claro, se os coeficientes de aproveitamento e taxas de ocupação de alguns bairros da cidade tivessem sido reduzidos recentemente na revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo. Proposta, aliás, que passou longe de ser aprovada pelos vereadores santistas.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Anistia e clientelismo

O processo de formação da sociedade brasileira, baseada na colonização, no escravismo, e com base no monopólio da terra, gerou segundo RobertoSchwarz, em seu livro "As idéias fora do lugar - Cultura e Política", uma relação entre latifundiários e homens livres (esses não eram escravos, mas também não possuíam terra) calcada no favor. A vida social e os bens dos segundos dependiam dessa relação. E é essa relação que afetou o conjunto da existência nacional, sendo o favor a mediação quase universal.
A relação de favor refletiu também na forma como se deu o processo de urbanização brasileira. Conforme cita a urbanista Ermínia Maricato, em seu texto do livro "A cidade do pensamento único": "...embora a urbanização da sociedade brasileira tenha de dado praticamente no séc. XX, sob o regime republicano, as raízes coloniais calcadas no patrimonialismo e nas relações de favor estão presentes neste processo.". Ela cita também que: "A lei se aplica conforme as circunstâncias numa sociedade marcada pelas relações de favor e privilégios."
É fácil relacionar as passagens dos seus autores citados acima, com o processo de "anistia" de construções irregulares, aprovada pela Câmara Municipal de Santos, na última quinta-feira, dia 09.
Segundo o arq. santista José Marques Carriço, o ato da "anistia" teve início a mais de meio século atrás, para formalizar moradias de baixa renda: "...no princípio, estas leis focavam as moradias de baixa renda, cujas tipologias não se enquadravam às exigências da norma urbanística elitista da época.".
É essencial registrar que atualmente existem outras maneiras de se fomentar e cobrar a regularização de moradias de baixa renda, por exemplo, pela obrigação do Poder Público em fornecer assistência técnica gratuita para famílias com renda mensal entre 0 e 3 s.m.. A assistência técnica objetiva dar melhores condições de habitabilidade através dea elaboração de projetos e acompanhamento das obras por técnicos habilitados, engenheiros e arquitetos. Esse instrumento no entanto permanece sem uso em Santos.
Ainda segundo Carriço: "...sobretudo após a década de 1990, as iniciativas de anistiar obras irregulares passaram a abranger construções de qualquer natureza", ou seja, retirando o papel social da lei - ainda que necessária somente à época de sua crianção - e transformando-a em um ato oportunista e clientelista.
A anistia, tal como é colocada hoje, privilegia e incentiva a execução de construções irregulares, em desacordo com as legislações e normas técnicas vigentes, independente de seu porte ou impacto que causa em sua vizinhança, deixando a certeza de que dentro de um determinado período, a Câmara de Santos irá anistiá-las.
A repetição periódica de aprovação de leis de anistia, que privilegiam construções ilegais, desqualificando o cumprimento da lei, aliada à fragilidade do aparato de fiscalização do uso e da ocupação do solo, segundo cita a arq. Ermínia Maricato no mesmo livro: "...é funcional para a alimentação de uma relação eleitoral arcaica.".
Felizmente o promotor de justiça do urbanismo e meio ambiente, Dr. Daury de Paula Jr., já alertou formalmente a Câmara dos Vereadores de Santos que irá tomar as medidas legais cabíveis para anular a anistia.
Espero que atos como esta lei de anistia, que alimentam relações de favor, oportunistas, clientelistas, e eleitoreiras sejam extintas. A sociedade brasileira precisa ter certeza de que certas relações de poder e de favor fazem parte apenas de sua história, e não de nossos dias atuais.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

IPTU Progressivo em Santos: Função Social da Propriedade ou Renovação Urbana para o Capital Imobiliário?

Acompanhamos esta semana o anúncio feito pela prefeitura de Santos, de que será implantada a aplicação do IPTU Progressivo no tempo para lotes não utilizados, inseridos nos bairros do Centro, Valongo, Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias.
Primeiramente, vamos lembrar que o IPTU Progressivo é um instrumento preconizado no Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, que regulamenta o art. 182 da constituição, que estabelece o princípio da função social da propriedade, ou seja, é um instrumento tributário que existe há quase uma década e que não havia sido utilizado até o presente momento (veja que estou falando no IPTU Progressivo no tempo, e não o IPTU Progressivo no espaço, implantado em Santos pelo ex-prefeito David Capistrano, e que foi derrubado pela justiça).
Segundo o Estatuto da Cidade, terrenos urbanos devem cumprir sua "função social para atendimento das necessidades de todos os cidadãos". Em uma cidade como Santos, que sofre com forte especulação imobiliária que expulsa permanentemente sua população de baixa renda pelo alto valor do preço dos imóveis (cabe lembrar que o que eleva o preço dos imóveis é sua localização, ou seja, a terra, e não a qualidade das construções, cada vez mais questionáveis!), a implementação do referido instrumento é visto como possivel solução de tal problema.
Então à primeira vista, podemos pensar que a utilização do IPTU Progressivo em Santos, será uma ótima forma de garantir terrenos mais baratos (pois a oferta aumenta e os proprietários serão pressionados a vendê-los ou utilizá-los) para fixação da população de baixa renda no centro da cidade, através da realização de empreendimentos habitacionais de interesse social pelo poder público e por que não por investidores privados, visto que este é agora um nicho do mercado da construção civil que surgiu através do Programa Minha Casa Minha Vida.
Porém precisamos nos atentar para um detalhe. Ao longo desses anos "pós Estatuto da Cidade", o que vemos são alguns exemplos de utilização exitosa de instrumentos do Estatuto da Cidade pelo capital imobiliário! Isso mesmo. Isso pode vir a ocorrer em Santos por trás dessa nova regra. Vou dar um exemplo: É sabido que para aprovação do Estatuto da Cidade em Brasília, foram negociados alguns termos com o setor imobiliário, como por exemplo, a exclusão das regras da "Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia - CUEM", que depois virou uma MP própria, e a inclusão das "Operações Urbanas Consorciadas". Este segundo instrumento, é claramente de interesse do setor imobiliário, pois por trás da idéia de valorização de um determinado setor degradado da cidade através de parceria entre os poder público e privado, o que se vê, por exemplo na cidade de São Paulo, é que eles só foi utilizado em áreas de interesse do capital imobiliário, que lucrou muito com sua realização. Aliás, podemos ver que apesar de toda operação urbana consorciada prever a melhoria das condições de habitabilidade de assentamentos precários presentes nessas áreas degradadas, o que há de fato é que os recursos destinados como contrapartida para esses fins ou não são utilizados e esses assentamentos continuam presentes, ou são utilizados para remover essas populações para outras áreas da cidade, longe da nova área revitalizada, visto que sua permanência seria um fator de depreciação dos imóveis agora valorizados.
Enfim, me alonguei neste exemplo para colocar que o mesmo pode acontecer com a utilização do IPTU Progressivo na área central de Santos.
Reportagem do jornal Atribuna de 21 de outubro deste ano: "ou reforma ou paga multa", citando que os proprietários que não reformarem seus imóveis deteriorados poderão pagar multa. Pode-se pensar que em uma área de renovação urbana, esses imóveis "problemáticos", como cita a reportagem, poderiam ser um mal para a nova paisagem urbana que se pretende na área, atraente para novos e grandes investimentos e empreendimentos privados, voltados principalmente para serviços e turismo, devido à proximidade com o porto e a vinda do pré-sal.
Podemos então também questionar a real intenção da implantação do IPTU Progressivo, na medida em que ele ao invés de ser utilizado na cidade como um todo, pois todos os imóveis urbanos devem cumprir sua função social, e não apenas os inseridos em áreas de interesse da prefeitura, está sendo utilizado apenas nos bairros onde se pretende "renovar urbanisticamente".
Reforçando essa tese percebemos, na reportagem do mesmo jornal do dia 18 de novembro: "Imóvel sem uso parará mais IPTU", a importância de oferta de mais imóveis para o setor de comércio e serviços, pois lemos que "Para lojistas, os imóveis fechados aumentam os preços dos aluguéis, o que afugenta investidores e perpetua o comércio fraco." Ao mesmo tempo que na reportagem não há qualquer menção dos entrevistados sobre a importância do IPTU Progressivo para fixação das famílias de baixa renda nos casarões antigos fechados (possuidores de toda infraestrutura urbana e próximos a equipamentos públicos), ou nos que apesar de serem utilizados em forma de cortiços, são subutilizados de maneira precária, por culpa e omissão de seus proprietários.
Esperamos que o tempo nos diga o contrário, pois ao que parece, a utilização desse instrumento servirá muito mais como um instrumento que liberará lotes ociosos no centro de Santos nos próximos anos, para que o capital imobiliário possa obter maiores lucros com a construção de edifícios empresariais, comerciais, e de prestação de serviços.
Ou seja, este instrumento indutor de cumprimento da função social da terra poderá servir somente para uma renovação urbana a serviço de interesses privados e corporativos, abrindo novas frentes de especulação imobiliária, nos imóveis a serem ofertados compulsoriamente daqui a 5 anos, e intensificando a expulsão de famílias de baixa renda moradora de cortiços.
Questão: os imóveis ocupados irregularmente por cortiços serão considerados imóveis abandonados, já que esses imóveis são utilizados irregularmente, e servem de instrumento de exploração de famílias de baixa renda?
Para finalizar, outra questão: não deveria essa questão relativa à implantação do IPTU Progressivo, ter sido matéria de ampla discussão na sociedade santista, em conjunto com a discussão da revisão do Plano Diretor, já que no mesmo Estatuto da Cidade, que regulamenta o IPTU Progressivo, também se dispõe sobre a gestão democrática da cidade e a participação DIRETA da sociedade na elaboração, implementação e avaliação do Plano Diretor e de seus instrumentos? Ou a forma de fragmentação da legislação municipal referente à política urbana (Plano Diretor, Lei de Uso do Solo, Lei dos instrumentos da política urbana, Lei de ZEIS, etc...) é proposital?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A parceria AMBIENTA e Associação dos Cortiços de Santos - reconhecimento mundial!

Após receber o Prêmio Nacional "Melhores Práticas em Gestão Local", oferecido pela Caixa Econômica Federal, aos melhores projetos comunitários que contribuem para a melhoria sustentável e permanente de família de baixa renda, o projeto gerido em parceria pela AMBIENTA - Assessoria e Desenvolvimento Local, entidade a qual presido em Santos, que atua prestando assessoria técnica a associações e movimentos de moradia, e pela Associação Cortiços de Santos - ACC, foi inscrito pela própria CAIXA para concorrer ao Prêmio Internacioanl de DUBAI para Melhores Práticas para a Melhoria das Condições de Vida. Este é o oitavo ciclo do Prêmio UN-HABITAT, apoiado pelo governo de Dubai, para apoiar a transferência e intercâmbio de experiências e conhecimentos através de redes peer to peer de aprendizagem.
Os critérios utilizados para avaliar as práticas incluiam o impacto, sustentabilidade e parceria, e ouras considerações, tais como o potencial de replicação, inovação e contribuição para a promoção da igualdadde de gênero e inclusão social e abordagem integrada das questões relativas a assentamentos humanos.
Foram cerca de 500 projetos inscritos, do mundo todo, sendo 35 projetos brasileiros, 20 inscritos pela CAIXA. Após as seleções dos melhores projetos foram pré-selecionados 46 finalistas, sendo 03 projetos brasileiros, incluindo nosso projeto A LUTA POR MORADIA NO CENTRO DE SANTOS/SP.
Apesar de não ficarmos entre os 12 melhores projetos do mundo, temos a certeza de que o simplesfato de sermos reconhecidos por órgãos internacionais, como a UN-HABITAT, como um dos 46 MELHORES TRABALHOS EM TODO O MUNDO, nos dá a certeza de que estamos no caminho certo. Enquanto observamos que a cidade de Santos está expulsando cada vez mais sua população de baixa renda, participamos de um trabalho que fixa moradores de cortiços na área central de Santos, com qualidade de vida, geração de renda e inclusão social.
Agradecemos a todos os colaboradores, parceiros e companheiros que sempre acreditaram no nosso trabalho. Esse reconhecimento é fruto de nosso esforço coletivo e de outros movimentos de moradia não só de Santos, mas do Brasil, que resistem em se conformar em viver cada vez mais perifericamente, sem infraestrutura, sem áreas de lazer e equipamentos públicos de qualidade, lutando permanentemente por cidades mais justas, inclusivas e igualitárias.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Revisão da Lei de Uso do Solo de Santos não enfrenta questões estruturais

É com preocupação que acomapanhamos, não só a timidez com que a prefeitura propõe a alteração da Lei de Uso e Ocupação do Solo, mas principalmente, pela ausência de revisão de leis que ao nosso entender são mais importantes para diminuir os impactos do modelo de urbanização que está em curso na cidade.
Apesar de apresentar alterações, a príncipio favoráveis quanto às regras para construção de prédios de grande porte na cidade do ponto de vista do impacto urbanístico que eles causam, como diminuição dos volumes das “caixas” de garagens, e limites para áreas não computáveis de varandas e das chamadas “áreas técnicas”, consideramos que essas são alterações pontuais, que modificam regras de um determinado tipo de construção, voltado para um público específico da cidade que pode comprar esses empreendimentos. Parece que esses empreendimentos são regra na cidade. E isso não é verdade.
Enquanto se discute somente questões pontuais não se abordam temas mais importantes como de que maneira se resolve a falta de oferta de imóveis novos para as “classes médias” e “médias baixas”, e principalmente, como brecar a expulsão permanente de famílias de baixa renda da cidade, ou seja, famílias que ganham entre 0 e 5 salários mínimos, que não possuem oferta de mercado popular de moradias, e não são atendidos pela produção governamental.
Dessa forma, há receio de que continuaremos a ver as populações carentes sendo expulsas da cidade enquanto a prefeitura não enfrentar a questão da necessidade de regulação do preço do solo, a partir, por exemplo, da utilização dos instrumentos do Estatuto da Cidade como o IPTU Progressivo, o Direito de Preferência, etc..., e da utilização dos imóveis públicos para construção de moradias populares.
A prefeitura insiste em não encarar a regulação do solo, como vimos na última reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano - CMDU, onde ela própria colocou que “não há meios de impedir o aumento de preço dos imóveis,pois isso é uma tendência natural do mercado”!
Estamos convencidos de que o modelo de desenvolvimento urbano que prevalece na cidade, além de tudo, favorece a exclusão social, pois enquanto as famílias de baixa renda são expulsas da cidade, os mais ricos se isolam em condomínios. As famosas “ilhas de segurança e lazer”, dentro de uma cidade que oferece cada vez menos equipamentos públicos de recreação e lazer. Quem tem dinheiro paga por esses equipamentos através de condomínios cada vez mais caros. Quem não tem...
Consideramos que a maneira fragmentada de como a prefeitura atua na discussão das leis que interferem no planejamento urbano da cidade contribui para dificultar o enfrentamento dos problemas. Por exemplo, passamos por uma revisão do Plano Diretor e da Lei de Uso do Solo, mas sem revisar outras leis importantes como a lei dos instrumentos da política urbana, e a lei de ZEIS, que permanecem sem previsão de revisão.Uma das alternativas para evitar a expulsão de famílias de baixa renda da cidade seria a criação de um “Banco de Terras”, como algumas cidades adensadas e sem muita disponibilidade de terras fazem. Isso se faz através da demarcação de ZEIS, ou da compra de áreas pelo Poder Público. Não há ZEIS na Zona Leste, justamente por que a especulação imobiliária tem nessa zona os terrenos mais atraentes para construção de imóveis de alta renda.
A falta de ZEIS na Zona Leste é reflexo de como e para quem o poder público governa: 1)Com preferência para setores específicos, como o setor imobiliário; ou 2) para o interesse público, permitindo que através de ZEIS, as famílias de baixa renda também consigam comprar imóveis populares ao invés de se mudarem para cidades do entorno.Convidamos a todos a refletir em como a prefeitura de Santos está lidando com essa questão.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A carência de espaços públicos de lazer nas cidades brasileiras

A CARÊNCIA DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER NAS CIDADES
As cidades brasileiras passam hoje por uma grave crise urbana. Vemos diariamente notícias dos problemas enfrentados por comunidades e bairros inteiros que vivem sem condições de habitabilidade, que sofrem com as enchentes, com a falta de saneamento básico, de iluminação pública, deslizamentos de morros e etc...
Hoje, mais de 90% das cidades com mais de 500 mil habitantes possuem assentamentos precários.
Essa crise é resultado de décadas de omissão e ineficácia do Poder Público em suas tentativas de implantação de políticas urbanas e habitacionais, seguida pela incapacidade dos atuais administradores em constituir e gerenciar políticas públicas visando garantir infraestrutura urbana básica para seus habitantes, mesmo com a criação de novas leis e instrumentos voltados à ordenação do espaço urbano, como por exemplo, o Estatuto da Cidade.
Dentro deste cenário, nos atentaremos para a falta de espaços públicos de lazer nas cidades.
Hoje temos as cidades como espaço de especulação imobiliária, onde os detentores dos meios e do capital organizam, decidem e constroem os espaços das cidades seguindo sempre suas pretensões empresariais e imobiliárias, muitas vezes, com a conivência do Poder Público.
Podemos pensar que a lógica da construção dos espaços de lazer segue a mesma linha: a) grandes investimentos em empreendimentos e condomínios fechados de alto padrão; b) iniciativas equivocadas do Poder Público quanto à revitalização de espaços em áreas centrais; e c) sua omissão, no que diz respeito às áreas periféricas desprovidas de qualquer equipamento de lazer.
a) A iniciativa privada beneficia-se com a falta de espaços públicos seguros de lazer, atraindo consumidores a seus empreendimentos. Observamos esse fato nas propagandas de construtoras promovem a cultura dos "condomínios fechados - ilhas de lazer e segurança para você e sua família", logicamente que a um custo muito alto e dirigido para uma minoria abastada da população.
b) As áreas centrais das grandes cidades abrigam grande parte do comércio informal. Esses espaços acabam marginalizados também pela população de rua que os frequentam dioturnamente.
Este cenário permanecerá inalterado até que tal situação apresente-se insuportável, exigindo uma posição do Poder Público. E essa posição infelizmente é a posição do "prático, rápido e barato", pois em vez de se estudar os motivos da informalidade e da marginalização desses espaços, soluciona-se o problema através da expulsão e promoção de uma falsa revitalização do local, inclusive, com o fechamento de praças com grades.
c) São as áreas periféricas que mais sofrem com a falta de espaços de lazer. A justificativa dada pelos governantes é que essas áreas são ocupadas clandestinamente, e por isso não podem receber melhorias, o que faz com que a própria população local utilize terrenos baldios e beiras de estradas como áreas de lazer.
Observamos que as cidades são organizadas espacialmente para responder a interesses de grupos que obtém vantages particulares com a especulação imobiliária e vemos os governos agindo com conivência quanto a tais empreendimentos e com omissão quanto às questões mais graves como o completo abandono de áreas periféricas.
Enquanto essa postura for mantida e os problemas enfrentados pelas populações de baixa renda não forem tratados alheios a interesses particulares, teremos um quadro cada vez mais grave de segregação socioespacial, que nega a uma enorme parcela da população das cidaes o direito de sair de casa e encontrar um ambiente saudável para seu lazer e de seus familiares.

domingo, 25 de abril de 2010

A Origem do Latifúndio no Brasil - uma reflexão

DA ORIGEM DO LATIFÚNDIO NAS TERRAS BRASILEIRAS, AO MASSACRE DOS POVOS INDÍGENAS E DOS TRABALHADORES RURAIS

Para entendermos o quadro da atual situação fundiária do Brasil, precisamos primeiramente entender como esse processo iniciou-se.
A origem do latifúndio em nosso país deu-se por um ato anterior ao seu descobrimento: A assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494).
Esse tratado acordou a divisão das terras do “Novo Mundo” * que ainda seriam descobertas, e que a parte que seria depois o Brasil ficou então com Portugal e somente seu Rei teria poderes para doá-las.
O poder real após a “descoberta” era quem doava as terras àquelas pessoas que o critério real considerava merecedoras, através das chamadas Sesmarias.
Começava então, a irracional maneira de divisão das terras brasileiras entre os “nobres” ligados à corte, originando assim as grandes áreas pertencentes a uma única pessoa.
Em 1850 surge a primeira Lei da Terra. Esta não serviu para que houvesse a divisão igualitária da terra, mas sim para que pudessem ser vendidas aos donos do capital, dando origem aos latifúndios e às oligarquias rurais atuais.
Mas a propriedade dessas terras estava apenas no papel. Milhões de indígenas ocupavam o território nacional. O massacre e o genocídio desses povos nativos eram então necessários para satisfazer a necessidade de posse dos novos “proprietários”.
Para podermos questionar a atitude covarde desses ditos “cristãos”, basta nos reportarmos à carta de Pero Vaz de Caminha, descrevendo os índios como belos, dóceis e formosos, e as índias, tão maravilhosas quanto as mulheres européias, e a posterior contradição dos jesuítas que, logo no início da resistência indígena já os retratavam como canibais, bárbaros e primitivos, um perigo à fé, à vida e aos costumes cristãos.
A luta dos índios em defesa de suas terras perdura até os dias de hoje. Os sobreviventes desses massacres seculares ainda lutam para terem suas terras demarcadas em áreas realmente a eles pertencentes, áreas ocupadas por seus ancestrais durante séculos e que são objeto da cobiça dos latifundiários, respaldados por interesses pessoais de políticos e juízes corruptos que aprisionam os povos indígenas remanescentes em áreas improdutivas, impróprias para uma vida autônoma, e muito aquém das suas necessidades sócio-culturais.
Muitos desses índios foram forçadamente destribalizados e ocupam hoje, espaços do interior do Brasil, constituindo o campesinato pobre, senão miserável. Índios sem-terra e bóia-frias, sujeitos a um nível de vida, que em alguns casos, chega à semi-escravidão.
A violência pela qual esses camponeses, que atualmente extrapola o âmbito dos povos indígenas e alcança toda uma população de minorias como, negros descendentes de escravos e nordestinos, estão sujeitos, vai desde a destruição de roças, invasão de lares, tortura no trabalho, estupro de camponesas, até a intimidação e assassinatos individuais e coletivos.
Para isso, os latifundiários recorrem a pistoleiros profissionais e capangas, e possuem o amparo legal de uniões ruralistas organizadas existentes no país.
Órgãos de divulgação e comunicação apenas se ocupam desses assuntos quando atingem dimensão nacional (Massacres de Corumbiara e Carajás), e internacional, (assassinato de Chico Mendes). Mesmo assim, tudo volta ao normal passadas as especulações e esgotado o interesse jornalístico.
Por isso, uma série de atentados e assassinatos, enfim, inúmeros casos de violência continuam impunes, encobertos e camuflados pelos latifundiários, seus capangas, políticos (os prefeitos são, na maioria esmagadora das cidades onde existem conflitos de terra, representantes dos próprios fazendeiros) e a mídia.
È preciso, ao olharmos os problemas causados com o advento do latifúndio e a morosidade em se discutir e resolver a questão da Reforma Agrária no Brasil, lembrarmos que esse assunto não se trata apenas em discutir se fazendas são ou não produtivas e estão sendo destruídas, se áreas enormes pertencem a um pequeno grupo de pessoas (27 latifundiários são hoje donos de terras que equivalem à área do estado de São Paulo), mas se trata de milhões de brasileiros (maioria negros, índios e nordestinos) que perderam suas vidas lutando por terras que lhes pertenciam por direito e que até hoje, depois de séculos percorridos ainda sofrem com a fome e a miséria, por viverem a mercê dos interesses e vontades de uma elite desumana, que permite que, em um país com milhões de quilômetros quadrados de terras improdutivas, famílias inteiras percam a vida por não terem sequer o direito de plantar para comer e construir seus lares, e que quando obtêm a seu favor algum tipo de benefício, a elite rural e a mídia brasileira se apressam em retratá-los como bandidos, desocupados e marginais.**

* A ênfase dada às palavras em negrito serve para que as questionemos, pois foram criadas pelas próprias pessoas que as usam para se auto titularem (como as palavras “nobres” e “proprietários”). Ou também por se tratar de palavras convenientemente criadas e veiculadas para nos convencer que antes delas, suas referências não existiam. ( por exemplo as palavras “descoberta” e “Novo Mundo”).

** Esse texto foi baseado no livro: “ Sociologia Política da Guerra Camponesa de Canudos – Da destruição de Belo Monte ao aparecimento do MST”; MOURA, CLÓVIS; Ed. Expressão Popular; 2000.